“Não sabia se chegava vivo a casa”. O dia-a-dia na Venezuela

Chegou há três meses a Portugal, país onde nasceu e onde vivem os pais. Durante mais de 60 anos fez vida na Venezuela, mas a instabilidade nas ruas de Caracas não deixou outra alternativa a não ser abandonar o país. António Oliveira faz parte dos 2,3 milhões de habitantes que abandonaram a Venezuela só em 2018. Aos microfones da universitária desabafou que todos os dias “saía de casa, mas não sabia se regressava vivo”.

O ex-emigrante afirma que os media portugueses não mostram, devidamente, a realidade vivida na Venezuela. “Apenas nas redes sociais ficamos a perceber a gravidade da situação. Tudo isto está a acontecer por causa da sede de poder do governo que faz tudo para não abandonar esse posto, e isso traduz-se em assassinatos e sequestros. Nós vivemos essa realidade antes de decidirmos vir para Portugal”, explica.


António revela que participou em algumas manifestações contra o governo, apesar de todos perigos. “Muitas vezes os polícias utilizavam a força para além do gás lacrimogéneo e balas de borracha,  chegavam mesmo a atirar sobre os manifestantes com balas verdadeiras”. Testemunha desses actos, António, agora a viver em Famalicão, confessa que neste momento é impossível andar na rua, livremente, como em Portugal pois por um simples telemóvel são capazes de matar.



Pressões do Governo


De 1940 a 1980, milhares de portugueses atravessaram o Atlântico à procura de uma vida melhor na Venezuela. São inúmeros os negócios no país que pertencem a emigrantes portugueses,  desde padarias, oficinas de automóveis, restaurantes, supermercados, ou empresas de electricidade. De acordo com o testemunho de António Oliveira, as ameaças por parte de representantes ou simpatizantes do governo têm colocado a vida destas pessoas num “verdadeiro inferno”. 

“Basta ter uma casa ou empresa e um representante do governo passar e ficar interessado. Se a pessoa não atribuir uma percentagem, por exemplo, do estabelecimento, é logo acusada de praticar crimes graves, como tráfico de droga ou de estar a negociar com dólares, moeda que está proibida no país”, conta. 

Para que chegam três milhões de bolívares ?


A ONU noticiou esta semana que mais de 1,3 milhões de habitantes estão a sofrer de desnutrição na Venezuela. Actualmente, o salário mínimo no país é de três milhões de bolívares, porém esta quantia não é suficiente para adquirir bens essenciais como pão, carne, farinha, azeite, açúcar, leite para recém-nascidos ou papel higiénico. 

Para comprar um quilo de carne são necessários quatro milhões de bolíares, para a mesma quantidade de frango são precisos 11 milhões e uma baguete tem o custo de 800 mil bolívares. O ex-emigrante explica que “um dólar está em seis milhões e 300 mil bolívares”, ou seja, são necessários mais de dois salários mínimos para conseguir um dólar ou um euro.

O luso-venezuelano denuncia que por várias vezes chegaram contentores de comida ao porto de Puerto Cabello, mas estes nunca foram distribuídos pelos habitantes, ficando a apodrecer no porto. Outras vezes, o contentor chegava já vazio.

Hospitais em ruptura


“Só cuida da saúde quem tem muito dinheiro ou seguro”, garante o ex-emigrante. António relata que conhecia pessoas que estavam horas a fio em filas de espera para conseguir uma consulta e depois tinham uma interminável busca por um lugar em que pudessem comprar medicamentos, mas na maior parte dos casos não tinham sucesso.


A testemunha reconhece a falta de condições dos hospitais do Estado que “estão abandonados”. “A maior parte dos equipamentos estão queimados, o raio x não funciona e os aparelhos que estão em boas condições não são usados porque os hospitais não têm técnicos para fazer os exames. Simplesmente reencaminham as pessoas para clínicas privadas e quem não tem dinheiro para isso, desiste da saúde”.

Áudio:

Testemunho do luso-venezuelano, António Oliveira, sobre a conjuntura política e social na Venezuela.

Vanessa Batista
Vanessa Batista

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