“As pessoas não têm cultura de autoprotecção”

No debate promovido pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, que se realizou ontem, na Escola de Engenharia da Universidade do Minho, António Bento Gonçalves explicou que tem falhado a educação florestal, o desordenamento do território e a não gestão da floresta.
“O Governo, as instituições e as pessoas reagiram, mas ainda não estamos pró-activos e enquanto não formos activos nada muda”, apontou. Para o investigador, “em termos estruturais mudou muito pouco”, por isso é necessário “apostar na educação de forma séria, ordenar o território e gerir a floresta”.
António Bento Gonçalves lembrou ainda que este é “um problema de décadas” e, por isso, a “sociedade civil tem que por muita pressão nos políticos para que estes tenham coragem política, para fazerem o cadastro, haver incentivos para as pessoas se instalarem e terem qualidade de vida no interior e para que na escola se abordem esta questão dos incêndios”.
Um ano depois das duas grandes tragédias que assolaram o país, conclui-se que as pessoas ainda não sabem o que fazer em caso de incêndio.
“As pessoas não têm cultura de autoprotecção”, disse o especialista, que considera que “há muito trabalho a fazer, sobretudo de longo prazo, com a aposta nos mais jovens para que depois seja uma geração mais bem preparada”.
António Bento Gonçalves elogiou ainda a aposta da UMinho no curso de Proteção Civil e Gestão do Território.
O curso não preencheu todas as vagas no ano de estreia, mas o investigador, que também é director do curso, está convencido, “pela reação dos alunos e contactos” que tem tido, que deve lotar no próximo ano. “As pessoas apenas puderem ponderar apenas 15 dias um novo curso e, apesar de tudo, foi muito bom”, esclareceu o director.
“Vivem há um ano como refugiados dentro do próprio país”
Ana Melo, do CECS, afirmou que “há muita coisa que foi limpa, a madeira economicamente rentável foi cortada, mas tudo o resto está lá pronto a arder numa próxima oportunidade”.
A investigadora chamou a atenção para os números, uma vez que além dos 51 mortos, há pessoas que ainda estão hospitalizadas e depressivas, mas que não se ouve falar delas”. Além disso, a tragédia expôs “a desorganização institucional e a falta de meios e pôs na agenda temas como a gestão territorial, percepção do risco e alterações climáticas”.
A investigadora lembrou ainda que “mais de 50% das pessoas que ficaram sem casa não têm ainda” habitação própria. “Vivem há um ano como refugiados dentro do próprio país”, acrescentou. Ana Melo informou ainda que as pessoas afectadas podem, até ao dia 2 de Janeiro de 2019, recomendar ao CPAPI a condição de vítima.
Uma das ideias que Ana Melo frisou foi o facto das pessoas esquecerem rapidamente uma tragédia como esta, deixando a questão: O que é que a maioria das pessoas fez no último ano para participar e integrar esta vontade solidária e de mudança?
A discriminação nos apoios e a cobertura jornalística dos acontecimentos também foram temas debatidos.
António Bento Gonçalves lembrou que, um ano depois, 61 concelhos continuam sem Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios.
Para evitar tragédias como as de 2017, António Bento Gonçalves defende que é preciso ordenar e gerir o território e educar toda a sociedade para que se tomem decisões a favor da floresta.
*Por Liliana Oliveira
Áudio:
Os investigadores António Bento Gonçalves e Ana Melo fazem um balanço sobre o que mudou um ano depois dos incêndios que assolaram o país.
