Lagoncinha. A lenda de uma travessia românica sobre o Ave

A estreita travessia românica sobre o Ave ou a ponte à qual deram o apelido de uma mulher que vem nos livros sobre a história da Lagoncinha. Este texto podia começar com a epopeia da Ponte da Lagoncinha, onde homens e mulheres arregaçaram as mangas para inscrever Lousado na história de Portugal. Mas o que nos dizem os livros sobre uma ponte construída durante o século XI? Pouco. Dos milhares de carros que diariamente a atravessam serão raros os condutores que conhecem a história daquelas pedras.
“Qual a pessoa que melhor pode contar a história desta ponte?”. Em Lousado todos indicam António Máximo, homem que guarda páginas sobre a vida da ponte. Em 1981, através do Jornal da Trofa, Máximo decidiu contar às gentes que vivem junto ao Ave a história de uma ponte que o atravessa. Em 1414 palavras navega pela antiga Lusitânia, pelos romanos que a tomaram, pelas tropas de Napoleão e pela D. Goncinha, que, reza a lenda, terá dado permissão para a obra arrancar.
Há documentos que atestam ter D. Fernando Martins, bispo do Porto, falecido em 1185, deixado em testamento, vários legados para ajudar a custear a construção. Nesse tempo era frequente haver pessoas que doavam parte dos seus bens às pontes a construir. Consideravam-nas obras de fundamental e primordial interesse social.
Frei Leão de São Tomás, em 1651, citou um documento notarial, com data de 1073, que se refere a uma doação de certos casais em Bougado (Trofa) e parte da igreja em Ribeirão (Famalicão), que D. Goncinha, “senhora ilustre”, que viveu perto do rio Ave, fez em favor de Gandemiro, Abade do Mosteiro de Santo Tirso. Daí se presumir que o nome da Ponte veio da mulher falecida em 1120.
A história desta ponte faz-se de momentos que poucos viram. Em Março de 1809, as tropas francesas entravam pela fronteira de Chaves. O exército invasor de Napoleão que seguiu caminho para Braga, onde chegou no dia 20, terá passado por aqui.
A ponte começou a perder importância no começo do século XVIII, altura em que se começaram a fazer açudes no rio, tornando-o mais navegável. Por essa altura era construída a “Barca da Trofa”, que serviu durante cerca de um século para transporte e carga de toda a espécie, de uma para a outra margem do rio.
Além de perder o seu primado de passagem obrigatória, a Lagoncinha começou a entrar em desmazelo. Considerada monumento nacional, em 1952 e 1953 foi objecto de obras de preservação.
Nascido e criado em Lousado, Jorge Queirós recorda a altura em que carros de bois atravessavam a ponte que divide em dois a freguesia de Lousado. Era todo um território pronto a ajudar na reparação. Homens e mulheres que trabalhavam para melhorar a ponte. “Nasci em 1942 e lembro-me bem disso. A passagem era feita por tábuas de madeira. Até me lembro de um funeral que por aqui passou”, recorda.
Na época, “todos iam ao rio para fazer praia”. Aprendeu a nadar na água límpida do Ave que todos mergulhavam. Entretanto, o rio passou a ser ocupado por lixo e pessoas “nem vê-las”. Debaixo da ponte era uma “rica praia fluvial onde se faziam muitos merendeiros e as pessoas vinham de manhã e ficavam até à noite”.
Em Janeiro de 2018, novas obras foram iniciadas. Era necessário reparar algumas pedras e substituir outras. A autarquia de Famalicão quer preservar “ao máximo” aquele património. A criação de uma nova ponte é medida pensada, o que faria da Lagoncinha uma travessia apenas pedonal. O rio, esse, continua à espera que o Governo avance com medidas de despoluição.
