Micah P. Hinson: “O público é tão importante quanto eu”

Micah P. Hinson vai estar no Theatro Circo esta sexta-feira (23h49) e esteve à conversa com a RUM. Falou do acidente que quase o levou à morte, da vontade de renascer e de olhar de outro modo para a condição humana. A experiência inspirou-o a escrever o mais recente disco “When I shoot at you with arrows, I will shoot to destroy you” – trata-se de uma passagem bíbilica -, gravado em 24 horas por 24 músicos diferentes, e que junta temas fortes como o apocalipse, a morte e a vida.

O texano, cuja voz Paulo Brandão equipara às de Tom Waits e Neil Young, vaticina um espectáculo único em Braga, onde o público será tão importante quanto o artista que vai estar em palco.

Como foi o processo de liderar 24 músicos diferentes na gravação do teu último disco?

Por um lado foi um pouco assustador e misterioso mas por outro, na forma como acabou, foi algo bonito de experienciar. Numa época em que muita gente está ligada aos telemóveis e aos computadores, e em que o mundo parece estar preocupado com os 0 e os 1, fazer este disco foi um modo de mostrar que as pessoas podem, de facto, estar juntas, sentadas numa sala, e fazer algo bonito e transcendental. Este disco quer mostrar que a humanidade é mais forte que os telemóveis e a tecnologia.

O disco fala de vários aspectos da condição humana. O que é que podes dizer acerca destes temas presentes na edição?

Tive alguns problemas de saúde, tive uma dor crónica nos últimos 14 anos. Além disso, tive um grave acidente de carro, em Espanha, que podia ter acabado com a minha vida. Os médicos deram-me uma droga cem vezes mais potente que morfina e quinze vezes mais forte que heroína e estive a tomar essa droga do diabo cerca de 12 anos. O ano passado, olhei para o espelho e cheguei à conclusão de que se não deixasse aquela droga acabaria por morrer. Decidi que se quisesse continuar vivo precisava de parar. Quando decidi gravar este disco, estava a fazer o desmame da droga e fi-lo de um modo fora da minha cabeça. Por isso, trabalhar esse conceito do apocalipse foi perceber o dia-a-dia da humanidade: perceber que nós, humanos, temos de aprender com os nossos erros, com outras pessoas, e temos de estar disponíveis para crescer e mudar. O objectivo é transcender a nossa fraca condição humana.

O disco é inspirado na estátua de São Tiago em Santiago de Compostela e há muitas referências religiosas presentes. Aqui, em Braga, tens alguma referência?

Não tenho mas quero, definitivamente, conhecer e aprender. Há algo bonito em poder estar em tour por toda a Europa e sair desta pequena cidade no Texas. Acho fascinante poder ir a Santiago e ouvir as lendas do que lá aconteceu ou ir a Roma, ao Vaticano. E até coloco a hipótese de que o que está escrito na Bíblia não ser verdade, de serem apenas uma colecção de histórias que as pessoas escreveram ao longo dos séculos.


Metáforas…

Exacto. As pessoas acham que o primeiro livro do Génesis conta a história do início do mundo mas há várias interpretações. Provavelmente essas histórias são contadas muito antes de haver uma linguagem escrita. Para mim, há uma beleza no facto de não saber de onde estas histórias vêm ou que idade elas têm. Mesmo que essas histórias não sejam verdadeiras, podemos ainda hoje aprender com as coisas positivas. Para mim, as religiões são opressivas mas a ideia da espiritualidade é bela. Acho que toda a minha história como músico questiona a ideia da espiritualidade e da crença. Se ouvirmos algumas músicas do primeiro disco, por exemplo, parece que estou a falar para alguém próximo, para uma namorada, mas se ouvirmos de um modo diferente pode soar a que estou a falar para um deus, à procura da salvação. Mas não sou nenhum missionário nem nenhum homem Santo.

O que é que esperas do público e o que é que o público pode esperar do teu espectáculo?

Ter expectativas é uma coisa muito perigosa. Sei as letras e os acordes das músicas mas nunca sei como vai sair a noite, quanto tempo vai durar. Não sei se vai ser calma ou barulhenta. Por isso, quero criar coisas no momento e espero experienciar algo com o público que seja novo, algo que nunca mais vou tocar. Idealmente, criar a ideia de que a arte pode ser alcançada. A ideia do espectáculo é a de que o público é tão importante quanto eu. Quero criar algo semelhante quando gravei o disco: eles não sabiam o que estavam a fazer, eu não sabia o que queria deles. Apenas nos sentamos e criamos algo. As nossas almas foram capazes de se fundir, juntas, para fazer algo mais importante do que apenas ouvir as músicas ou tocar os instrumentos: o sentimento que tive quando gravei o disco é o mesmo que quero do público. Quero criar algo novo, excitante, estranho, desconfortável e satisfatório. Todas as coisas que compõem a vida. 


Micah P. Hinson sobe ao pequeno auditório do Theatro Circo na sexta-feira (23h59). Os bilhetes podem ser adquiridos aqui.

Áudio:

Alguns excertos da entrevista de Micah P. Hinson, que pode ser ouvida na íntegra na sexta-feira, no programa POP UP (entre as 18h e as 19h nos 97.5 FM)

Pedro Magalhães
Pedro Magalhães

Deixa-nos uma mensagem

Deixa-nos uma mensagem
Prova que és humano e escreve RUM no campo acima para enviar.
Rádio RUM em Direto Logo RUM
NO AR Rádio RUM em Direto Próximo programa não definido
aaum aaumtv